REVISTA BRASILEIRA DE COLOPROCTOLOGIA
(www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pid=S0101...)
Dor posterior baixa e dor pélvica: - o que
interessa ao proctologista?
RESUMO
Um dos mais intrigantes e frequentes
sintomas de doenças agudas ou crônicas é a dor, sobretudo quando aparece sem um
substrato anatomo-patológico facilmente identificável, o que dificulta o
tratamento e favorece sua persistência. A dor crônica, generalizada ou
localizada, transtorna a vida da pessoa, cuja qualidade é significativamente
afetada na proporção da intensidade e continuidade da dor. A dor pélvica e a dor posterior baixa são sintomas relativamente comuns,
principalmente por estarem relacionados etiologicamente com mais de uma centena
de doenças – desde as que são de origem infecciosa até as inflamatórias
inespecíficas, passando pelas que são decorrentes de alterações osteomusculares carências ou funcionais, até às
neoplásicas e as de causas indeterminadas. Além disso, há fatores estruturais
sobrecarregados pelos atuais estilos de vida, não só em relação à postura física, como permanecer
sentado por longo período de tempo, mas também por falta de exercícios que
deveriam ser praticados como preparo para o cotidiano. Soma-se, ainda, a
estimativa de que 60% das pessoas estão na faixa do sobrepeso e 25% são obesas.
Pela frequência de aparecimento e por sua relação com os órgãos pélvicos, a dor
pélvica e a dor posterior baixa, cuja investigação pode envolver profissionais
de várias áreas, devem ser do obrigatório interesse do médico
coloproctologista.
Descritores: Dor pélvica; Dor posterior baixa;
Dor anal; Proctalgia; Proctalgia fugaz; Coccigodinia; Síndrome do músculo
elevador do ânus; Síndrome do assoalho pélvico.
ABSTRACT
Pain is one the most
intriguing and frequent symptom of diseases, above all when it appears without
an easily identifiable anatomic pathological substratum. Widespread or located
chronic pain upsets the person's life whose quality is significantly affected.
Chronic pelvic pain syndrome is a conundrum that may be only partly explained;
it is relatively common and etiologically related with more than a hundred
diseases (infectious and/or inflammatory) perceived in structures related to
the pelvis. "Add to that a general lack of exercise, poor diet, and an
overall increase in peoples' weight. With 61 percent of the population
overweight (and 27 percent of that group diagnosed as clinically obese), it
should be no surprise that this degree of increased weight causes more stress
and strain on the pelvis and those articulations that we use when standing,
walking, and running.1 Patients also expose themselves to a variety of traumas
that often do not heal properly, leading to osteoarthritis, fibrotic joint
capsules, and myofascial trigger points."13 For the
emergence frequency and for its relationship with the pelvic organs, the pelvic
pain and the low back pain can be considered a multifaceted problem, with
investigation requiring a multidisciplinary approach involving professionals of
several areas, so they should be of the obligatory interest of the
proctologist.
Key words: Pelvic pain;
Low back pain; Pelvic pain syndrome; Proctalgia fugax; Spastic pelvic floor;
Idiopathic anal pain.
A
dor pélvica e a dor posterior baixa são sintomas relativamente comuns,
principalmente por estarem relacionados etiologicamente com mais de uma centena
de doenças – desde daquelas que são de origem infecciosa até as inflamatórias
inespecíficas, passando pelas que são decorrentes de alterações osteomusculares
carências, funcionais, pelas neoplásicas e pelas de causas indeterminadas.
Na área da
Coloproctologia, as causas mais comuns de dor, na região pélvica, são
facilmente identificáveis, pois a maior parte delas tem origem nas afecções anorretais de caráter inflamatório,
infeccioso ou neoplásico ou nas estruturas adjacentes, urogenitais internas ou
externas.
Assim, vamos abordar as dores
decorrentes de desordens de estruturas neuromusculares e que, muitas vezes mal
investigadas, não têm seus pontos de origens ou causas identificados e,
portanto, deixam de ser classificadas, não têm a etiologia determinada e não
são corretamente tratadas.
A importância do fato é que essa doença
complexa e comum, de etiologia frequentemente considerada inexplicável, tanto
nos homens1-3 como nas mulheres1,4,5 projeta
alto nível de ansiedade e depressão com os consequentes danos para a saúde e
piora na qualidade de vida dos pacientes, não só pelas sensações subjetivas
como por causa das perturbações funcionais decorrentes6-10.
Essas dores, mesmo quando intimamente
relacionadas com doenças proctológicas, podem confundir o médico por se
associarem a outros sintomas tais como: constipação intestinal, obstrução
retal, diminuição do jato urinário, dor a ejaculação, dor posterior baixa,
dispareunia superficial e profunda, pressão pélvica, tenesmo vesical, tenesmo
uretral, frequência urinária, urgência urinária, evacuação incompleta, micção
incompleta e disfunção erétil, com o destaque de que esses sintomas podem estar
presentes em apenas um dos fatores etiológicos da dor pélvica, que é a síndrome
do assoalho pélvico espástico.
Assim, quando a
referência é dor pélvica, o primeiro aspecto que deve ser posto em relevo é o
anatômico,
cujo arcabouço ósseo é definido por três elementos articulados em três
complexos de juntas11. O
elemento posterior é o sacro, os laterais são os ilíacos que se unem formando
as juntas sacrilíacas - direita e esquerda - e os anteriores são dois segmentos
inominados que se juntam para formar a sínfise púbica.
A pelve, distribuída por meio do osso
sacro, suporta o peso do tronco, dos membros superiores e do segmento cefálico
que, pelas articulações dos quadris é enviado para os membros inferiores. O
esqueleto pélvico é acabado por estruturas ligamentares, aponevróticas e
musculares. Entre esses, formando as partes posteriores do diafragma pélvico,
destacam-se os seguintes músculos: os piriformes (direito e esquerdo) e os
músculos ísquiococcígeos (direito e esquerdo).Os piriformes
têm inserções mediais no nível da segunda e terceira vértebras sacrais, nos
ligamentos sacroespinhosos, da segunda e terceira vértebras sacrais, nos ligamentos sacroespinhosos,
e laterais, nas espinhas isquiáticas. No sentido mais caudal aos piriformes, os
músculos ísquiococcígeos têm contato de origem com a quinta vértebra sacral e
com o cóccix, também pelos ligamentos sacroespinhosos, e, de inserção, com as
espinhas isquiáticas, de um lado e do outro. Na bacia, visto por baixo, preso
nas últimas vértebras sacrais e no cóccix há o ligamento sacrotuberoso. A parte
média e a anterior do diafragma pélvico são formadas pelos músculos
íleococcígeos (direito e esquerdo) e pelos músculos elevadores do ânus. Os
músculos íleococcígeos vão do cóccix ao arco tendinoso do músculo elevador do
ânus que é, também, fáscia do músculo obturador interno. Esse arco tendinoso se
estende da espinha isquiática até ao aspecto anterior da face inferior do ramo
do púbis. Os músculos elevadores do ânus têm duas porções – a pubococcígea,
mais lateral, que tem origem na face inferior do aspecto anterior do ramo do
púbis, do lado direito e esquerdo da sínfise púbica e inserção que envolve a
face interna do cóccix e os ligamentos sacrococcígeos anteriores (direito e
esquerdo). No fundo do assoalho pélvico há dois orifícios: um retropúbico, parcialmente
ocluído pela membrana perineal, que é o orifício urogenital e outro, mais
posterior, que é o anorretal. O vazio interno da pelve é ocupado por vísceras
(bexiga, ureteres, próstata, vesículas seminais, corpo peniano, cordões
espermáticos, útero e anexos – ovários, trompas e mesossalpinges – fundo
vaginal, intestinos e enchimentos gordurosos, todas recobertas pelo peritônio),
e, entre essas suas estruturas, entram e
saem feixes neurovasculares, tanto os que se destinam ao conteúdo visceral
ou aos elementos constituintes do arcabouço músculo-esqueléticos pélvicos como
os que se dirigem para a genitália externa e para os membros inferiores.
Outro aspecto que se associa ao
anatômico e participa na gênese da dor é o moderno estilo de vida em que as seguintes
características devem ser evidenciadas: tempo prolongado na posição sentada (em
casa, no trabalho e no carro), posturas que sobrecarregam grupos musculares e
enfraquecem outros com prejuízo para equilíbrio do sistema locomotor, estilo
sedentário de vida e, sobretudo a falta de preparo físico. A prática de
exercícios e alongamentos com o objetivo de se preparar para enfrentar o
estresse diário não são regras do cotidiano da maioria das pessoas. Estima-se
que 60% da população estão na faixa do sobrepeso e 25% são consideradas obesas12.
Além disso, com a alta incidência da obesidade e com a projeção feita pela
Organização Mundial de Saúde de que, em 2015, haverá 2,3 bilhões de adultos com
sobrepeso e 700 milhões de obesos no mundo12, torna-se fácil entender
o grau de pressão e de lesão que poderá ser imposto à pelve, seus ligamentos,
músculos, cápsulas articulares e articulações estando sentado, em pé, andando
ou correndo.
Por isso tudo, em se tratando de dor
pélvica, implica-se em considerar duas categorias de abordagens: a primeira
é a mecânica que como causa de dor, está relacionada às alterações
estruturais da parte posterior baixa, das articulações dos quadris e das
articulações sacrilíacas; e, a segunda, são as orgânicas entre as quais
estão incluídas as seguintes estruturas: o intestino grosso, a bexiga, os
órgãos genitais internos e todo o
complexo muscular do diafragma pélvico cujas disfunções podem provocar dor
pélvica13.
Frequentemente o paciente é capaz, com
suas informações, de guiar o médico para diagnóstico etiológico da dor, pelo
menos no que diz respeito sobre ser a origem mecânica ou orgânica13.
Com a atenção voltada para um universo
relativamente amplo de causas, o proctologista deve estar apto para discernir entre
dores de etiologia muscular (devido a espasmos – contração muscular anormal e
involuntária - e contraturas – contração voluntária compulsiva; relacionadas ao
assoalho muscular da pelve e aos esfíncteres anorretais) e dores de etiologia
visceral (útero e anexos, vagina, bexiga, próstata, reto e canal anal).
Para melhor orientação didática e facilidade no discernimento clínico dos fatores etiopatogênicos, aconselha-se a utilização de diretrizes estruturadas pela "International Association for the Study of Pain" que classifica as dores pélvicas crônicas em: a. muscular, b. neurológica, c. urológica, d. ginecológica e anorretal.14 (Tabela 1) ( ver no site indicado no final)
Dor pélvica (muscular, neural, urológica e
ginecológica)
As dores pélvicas de etiologia musculares mais próximas dos nossos interesses
são as relacionadas à síndrome da dor perineal e a síndrome dolorosa do espasmo
do assoalho pélvico ou simplesmente Síndrome do Assoalho Pélvico (SAP), que são
responsáveis por outros indesejáveis sintomas15-18.
A SAP envolve a defecação obstruída, o anismo e a contração
paradoxal do puborretal (proctalgia fugaz). A contração paradoxal do puborretal
pode ser observada por meio de exames eletromiográficos. Não se trata, no
entanto, de uma constatação específica19; pode estar presente ou
ausente em pacientes com úlcera solitária do reto, bem como nos que apresentam
dor anal idiopática crônica, de etiologia desconhecida. Nesses casos, quando a
dor está presente, ela pode ser aliviada com a aplicação de toxina botulínica.15,19
As dores perineais crônicas de etiologia neural são, principalmente, decorrentes da
compressão crônica do nervo pudendo que tem como base anatômica os processos
espinhosos do ísquio; os ligamentos sacrotuberoso, sacroespinhoso e o processo
falciforme do ligamento sacrotuberoso20-22. A dor decorrente dessa
compressão pode ser sentida no pênis, nos grandes lábios, no períneo e na
região anorretal; é agravada quando a pessoa está sentada e aliviada quando a
pessoa esta em pé, deitada, ou no sentada no vaso sanitário22.
O diagnóstico presuntivo pode ser feito no homem, com ou sem dor
urogenital e sem dor à ejaculação.
As causas urogenitais – síndromes dolorosas crônicas relacionadas à próstata, bexiga,
uretra, pênis e escroto - são excluídas clinicamente pela ausência de dados
objetivos – clínicos e laboratoriais - relacionados às afecções inflamatórias
ou infecciosas dessas estruturas ou de quaisquer elementos da esfera urogenital,
a iniciar pela próstata, para o que se pode usar desde um exame físico seguido
da análise de urina colhida empregando o método descrito por Meares e Stamey23,
de antigo e incontestável valor, até aos exames ultrassonográfico e tomográfico.
Na mulher as afecções ginecológicas – inflamatórias, infecciosas ou
estruturais - impõem diagnóstico presuntivo de exclusão que inclui, também, as
doenças agudas ou crônicas do trato urinário inferior24. Excluídos
os fatores etiológicos urogenitais, no homem e na mulher, e ginecológicos, nas
mulheres - benignos ou malignos - as síndromes pélvicas dolorosas crônicas
serão investigadas tendo como alvo o assoalho muscular da pelve.
Tendo em mente que esse conjunto muscular tem as funções de
suporte, contração e relaxação, qualquer alteração de atividade funcional que
se expresse por deficiência ou fraqueza poderá resultar em incontinência –
fecal ou urinária – e em prolapso ou procidência de órgãos pélvicos. Por outro
lado, se a perturbação funcional for manifestada por hiperatividade muscular, o
resultado poderá ser a resistência de fluxo pelo diafragma pélvico – tanto
urinário como fecal – o que se traduz em dificuldade na miccção, se expressa
pela constipação obstruída, pela dispareunia superficial e profunda25,26.
O espasmo da
musculatura do assoalho pélvico é considerado um dos mais comuns fatores
etiológicos da dor pélvica crônica; as causas são múltiplas e a dor é apenas um dos sintomas, mas é o
que desencadeia os distúrbios emocionais que por sua vez agravam e perpetuam a
hiperatividade muscular14. Soma-se aos espasmos musculares
persistentes as possíveis compressões
crônicas dos nervos pudendos gerando dores localizada no triângulo perineal
anterior (vulvar, vaginal ou escrotal) ou no triângulo perineal posterior
(anorretal)14. Relacionada ao nervo, a dor tipo queimada, do lado
direito ou do lado esquerdo, é exacerbada pela palpação. O exame de imagem
recomendado é a ressonância magnética, meio pelo qual se podem ver as
estruturas nervosas, os músculos e outros tecidos circunjacentes que devem ser
minuciosamente analisados. O alívio da
dor pode ser obtido pelos condicionamentos que visam obter completo relaxamento
do assoalho pélvico14, como veremos adiante.
Quaisquer embaraços referentes às definições e classificações
quando se objetiva a determinação clínica de fatores relacionados à dor
perineal crônica pode-se recorrer à classificação estruturada pela "International
Association for the Study of Pain", resumida em tabela publicada pela
Associação Europeia de Urologia14. (Tabela 1)
Tendo em mente essas considerações, vamos dar destaques às dores
especificamente de etiologia proctológica que são:
1. Proctalgia fugaz e síndrome elevador
2. Síndromes dolorosas perineais crônicas
a. Coccigodinia
b. Dor perianal idiopática
2. Síndromes dolorosas perineais crônicas
a. Coccigodinia
b. Dor perianal idiopática
1. Proctalgia fugaz e síndrome do elevador
Como o próprio nome indica, a proctalgia fugaz (PF) é dor que,
aparentemente, surge no reto e cessa rapidamente, durando não mais que um ou
dois minutos e que recorre em intervalos irregulares sem relação com doença
orgânica. Presume-se que seja secundária às contrações espásticas do músculo puborretal
ou de outros elementos musculares do assoalho pélvico27-29, mas
parece que o elemento anatômico envolvido na origem da dor é a musculatura lisa
do esfíncter anal.
Entre as obras clássicas, foram Gordon e col.30 que dedicaram maior atenção à PF. Por
esta razão, vamos seguir o texto desse compêndio para as informações alusivas à
PF.
Relacionada ao músculo puborretal27,31, a PF é
conhecida, desde 1841, como entidade clínica, quando foi descrita por Hall32,
citado por Bassem (ver Nathan33), como de manifestação paroxística,
ocorrendo à noite, em geral na primeira fase do sono. A dor é variável em
intensidade e não acompanhada por alterações intestinais; difícil de ser
descrita, é do tipo visceral, embora envolva, supostamente, uma estrutura
somática31- pode ser torturante, opressiva, espasmódica, aguda,
apertada, variando de localização, em geral, logo acima do ânus, na região do
reto30. A dor desaparece espontaneamente e o alívio pode ser
precipitado pelo relaxamento do períneo como se faz na micção e na evacuação
fecal33. Contudo, em estudos fisiográficos os registros de pressão
intraluminal devida às atividades motoras foram descritas no cólon sigmoide, no
sentido sigmóide-retal, e não no reto ou na região do esfíncter anal, em
pacientes estudados no momento da dor34. Por outro lado, já foi
descrito constituição patológica do esfíncter
anal interno caracterizada
por seu espessamento, hipertonicidade e vacuolização celular com inclusão de um
polímero de glicose com grupos fosfato e sulfato que formam pequenos corpos de
estrutura elipsoides ou filamentares. As alterações musculares se expressam aos
exames tonográfico, ulrassonográfico e histológico35. Trata-se de
condição hereditária rara que se associa à PF e à constipação intestinal36-42.
Embora a miopatia seja aspecto etiológico raro, transmitido geneticamente por
gene autossômico dominante, deve ser considerado no conjunto da pouca conhecida
etiologia daquela doença.
Essas observações relacionadas ao esfíncter anal interno se
estendem, também, para aspectos exclusivamente neuropáticos da disfunção
esfincteriana43, associada à proctalgia, como foi observado e
sugerido em estudos envolvendo membros de família com a PF hereditária44.
Cinquenta e cinco pacientes(81%), entre 68 com PF, estudados por
Takano43, tinham sensibilidade ao longo do nervo pudendo. O bloqueio
do nervo fez com que os sintomas relativos à PF desaparecessem, por completo,
em 36 pacientes(65%) e com melhora significativa, em 14 pacientes(25%). Sobre
esses dados conclui-se que a proctalgia fugaz poderia ter como etiologia a
neuralgia do nervo pudendo43.
Dentro de contexto semelhante, em mulheres com dor pélvica
crônica, nas quais foi postulado a
etiologia neural da dor, o resultado de ablação, via laparoscópica, dos feixes nervosos do
ligamento uterossacral não resultou em alívio da dor45.
A alusão aos fatos relacionados com a PF, por outro lado, é
interessante porque a disfunção do esfíncter anal interno que provoca a hipertonia,
seja de causa conhecida ou não, além de participar na gênese da constipação de
saída e da dor pélvica, é fator etiológico da fissura anal.
As dores pélviperineais crônicas podem ser neuropáticas, decorrentes, como vimos acima, da compressão crônica do nervo pudendo que tem como base anatômica os processos espinhosos do ísquio; os ligamentos sacrotuberoso, sacroespinhoso e o processo falciforme do ligamento sacrotuberoso20-22.
A PF, pode estar envolvida por esse processo, cuja etiologia, portanto, é a neuralgia do pudendo. Nessa circunstância, ela é frequente, com incidência de 14% entre pessoas sadias, sendo mais comum nas mulheres que nos homens (2:1)46.
Todavia, como nas crises de dor não se destaca nenhuma
anormalidade física, outra causa sugerida é a de origem psíquica. Vários
autores, em diferentes épocas, deram destaques a aspectos relacionados às
características da personalidade dos pacientes com proctalgia fugaz,
classificando a dor retal ora como uma psiconeurose ou como histeria de
conversão, ora como neurastenia ou como reação psicossomática27, com
relevante atenção para o nível de ansiedade e depressão desses pacientes47.
Nessas circunstâncias, o tratamento é insatisfatório27,47 e sugestões que vão desde pressão sobre o ânus, banho quente, massagens, dilatação, até bloqueio farmacológico do grupo muscular envolvido ou associação sistêmica de anestésicos, analgésicos e antiespasmódicos foram preconizadas48-51.
Nessas circunstâncias, o tratamento é insatisfatório27,47 e sugestões que vão desde pressão sobre o ânus, banho quente, massagens, dilatação, até bloqueio farmacológico do grupo muscular envolvido ou associação sistêmica de anestésicos, analgésicos e antiespasmódicos foram preconizadas48-51.
Assim, a complexidade etiológica dessa entidade ou o conjunto de fatores aventados e que podem estar eventualmente associados à causa desse tipo de dor paroxística mais se prestam para confusão na interpretação do evento do que para a solução do problema.
Estão envolvidos os músculos do esfíncter anal externo, sobretudo
o segmento profundo que se junta ao puborretal, na sua função de elevador do
ânus, que representam musculaturas estriadas, cujo controle neural é voluntário
somático e, por outro lado, o esfíncter anal interno e a musculatura própria do
reto que são musculaturas lisas, com inervação visceral de controle
involuntário.
Definir quais dessas estruturas com suas disfunções estão mais
envolvidas com a dor espástica, não se esquecendo das neuropatias específicas
envolvendo principalmente o nervo pudendo, tem sido trabalho difícil. A
capacidade de discernir entre um e outro fator etiológico é fundamental, pois
permitiria o delineamento para o tratamento correto.
Nos textos clássicos de coloproctologia28-30, a
proctalgia fugaz recebeu destaques de diferentes importâncias que, de certa
forma, mostram o uso irregular de termos ou de sinonímias diferentes, para
definir a dores pélvicas que se expressam na região do reto e do ânus e que
podem estar relacionadas com esses segmentos do intestino.
No excelente livro de texto da Sociedade Americana de Cirurgiões
Cólonretais (ASCRS)29, por exemplo, no capítulo sobre desordens do assoalho pélvico onde se trata das
"síndromes dolorosas da pelve" (página 688), os autores definem um algoritmo
que incluem a nevralgia do pudendo, a síndrome do elevador (espasmo da
musculatura do assoalho pélvico) e a cocciodinia. Abordam a síndrome do
elevador do ânus, com a participação de músculos estriados regionais e fazem
menção passageira à PF, a qual associam os espasmos da musculatura própria do
reto ou de músculo do assoalho pélvico, no caso o puborretal.
Gordon30, no capítulo 39 (das paginas 1268 as 1276),
entre outros assuntos, trata da cocciodinia, da proctalgia fugaz e da síndrome
do elevador. Dedica à PF um espaço mais extenso, com a exploração bibliográfica
pertinente, mas não a separa da síndrome
do elevador; se não é assim, pelo menos julga ser a primeira uma variação
da outra, mesmo considerando que todos os fatores envolvidos na síndrome do
elevador podem provocar proctalgia fugaz, mas que nem sempre a proctalgia fugaz
tem, na sua etiologia, fatores relacionados com a musculatura do assoalho
pélvico.
A síndrome do
elevador do ânus tem como
características sintomatológicas a dor "pesada" ou a pressão no reto,
às vezes descritas como a sensação de estar sentando sobre uma bola ou com se tivesse uma bola dentro do reto.
A dor piora quando a pessoa se senta e melhora quando em pé ou deitada30.
Corman28 no
seu livro texto, no capítulo 16 (Desordens da defecação), na página 489, no
subtítulo – "Chronic idiopathic anal pain; proctalgia fugax, levator
syndrome; levator spasm" - trata essas entidades como únicas. Apesar de
citar alguns métodos terapêuticos tais com o condicionamento operante, eletro-estimulação
galvânica e bloqueio caudal com antiinflamatórios esteroidais, mostra-se
céptico em relação ao tratamento, o que ratifica a ideia relacionada à
incurabilidade da proctalgia fugaz, mencionada no passado31.
2. Síndromes dolorosas perineais crônicas
a. Cocciodínia
O
cóccix tem sido, de forma indiscriminada, envolvido na causa de dor perineal
crônica. Quando esse segmento ósseo parece, de fato, ser a causa da dor, como
observado num estudo envolvendo 208 pacientes52, em 31% das vezes
não se pode identificar um substrato anatomopatológico associado ao cóccix; em
27% dos casos sua excessiva motilidade foi fator etiológico; em 22% a dor foi
causada pela luxação posterior do cóccix; em 14% estava relacionada à espícula
óssea no cóccix e, em 5% dos casos, a dor pôde ter origem na sua luxação
anterior50. Nesse estudo, os autores observaram que, quando a dor
foi inicialmente considerada coccígea, o substrato patológico foi identificado
em 69% dos pacientes, concluindo que, na maior parte das vezes, os casos de
coccidínia ocorreram em conjunção com a subluxação ou hipermotilidade do cóccix53.
Por outro lado, há várias condições que podem ser interpretadas
como causa de dor no cóccix, entre as quais, inicialmente, se destacam as
formas do cóccix54.
O cóccix foi radiologicamente classificado, de acordo com sua
forma vista de perfil, em 4 tipos:
Tipo 1 – curvatura suave anterior com a extremidade dirigida para
baixo e caudal;
Tipo 2 – a curvatura anterior (concavidade) do cóccix é mais
acentuada e a extremidade é direto, para frente;
Tipo 3 – mais agudamente angulado para frente e,
Tipo 4 – o cóccix é subluxado, nas junções sacrococcígea ou
intercoccígea54.
Os tipos 2, 3 e 4 são os mais susceptíveis à dor54.
O trauma é outro fator etiológico de considerável importância, já
que pode ser associado à instabilidade do cóccix, particularmente à subluxação
posterior52. Essa proposição, no entanto, tem valor para trauma
recente52,55, por dois sugestivos motivos: primeiro, os traumas
ocorridos há mais de um mês não são fatores que se destacam na etiologia da
dor, pois a proporção de pacientes que desenvolvem instabilidade do cóccix e
dor, quando o trauma é mais antigo é proporcionalmente igual às pessoas que
sofrem de coccidínia sem história de trauma (55 e 53%); segundo, a instabilidade
coccígea foi constatada em 77% dos casos, quando o trauma ocorreu a menos de um
mês do aparecimento da dor52.
Outro fator importante é o peso corporal: índices elevados de
massa corporal têm influência significativa na etiologia da dor (a dor no
cóccix é três vezes mais frequente no obeso do que na população normal55).
Além disso, o padrão de lesão observado nos obesos, nos pacientes de peso
normal e nos pacientes magros é bem diferente. Os obesos têm subluxação
posterior; os normais têm hipermotilidade ou cóccix radiologicamente normal e
os magros têm subluxação anterior ou espículas ósseas no cóccix52.
As pessoas com cóccix radiologicamente normal – exame dinâmico – e
que apresentam coccidínia, em geral, podem ter dor secundária à tumor ou à processo
infeccioso envolvendo a adventícia coccígea ou, então, decorrente de artrite
pós-traumática envolvendo a junção sacrococcígea.56.
Por fim, a dor no cóccix pode ser idiopática. Assim ela é descrita
quando não se observa alterações patológicas associadas ao cóccix. Nesses casos
a ocorrência da dor pode ter origem nos espasmos ou em outras anomalias
envolvendo a musculatura pélvica53.
A definição do diagnóstico segue sendo orientada para o estudo
radiográfico dinâmico, como método de primeira escolha, obtidos na posição
sentada e em pé55. A palpação dolorosa do cóccix bem como a
supressão da dor pela infiltração local com anestésico são elementos
subsidiários recomendados55.
Qualquer outro tipo de exames mais sofisticados tal como a
obtenção de imagem pela ressonância magnética ou exame de varredura óssea com
tecnécio (Tc-99m) pode realçar sinais inflamatórios na região sacrococcígea
indicativos da hipermotilidade do cóccix, facilmente demonstrável pela
radiografia dinâmica. Essas técnicas avançadas, então, têm lugar quando se
pretende excluir outras lesões que possam estar sustentando a dor, tais como
tumores embrionários da notocorda, na região sacral51 ou encontrar outras eventuais ou raras
causas de dor no cóccix57-59.
Tratamento
O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico entendendo-se que o
clínico não só é o preferencial como considerado
o padrão ouro na abordagem terapêutica da coccidínia. Para tanto,
recomenda-se o uso de analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais, menos tempo
possível sentado ou, quando sentado, o paciente deve usar proteção adequada
como almofadas em forma de rosca tais como a câmara de ar ou de água ou
acolchoadas com algodão ou espuma; correção postural e fisioterapia55.
O tratamento fisioterápico que envolve massagem, mobilização e
estiramento do cóccix dá melhor resultado nos casos em que a mobilidade do
cóccix é normal o que não ocorre tanto nos casos de hipermotilidade ou nos de
subluxação do cóccix52.
A injeção local de solução em que se associam anestésicos de ação
prolongada e esteroides (40 mg metilprednisonade em 10 ml de bupivicaína a
0,25%) pode ser uma opção para os casos em que a medicação analgésica oral e a
fisioterapia não proporcionaram o alívio almejado60.
O tratamento cirúrgico pode ser a escolha para pacientes
selecionados entre os que não se beneficiaram com as modalidades clínicas de
tratamento. Nesses casos a técnica empregada é a excisão parcial do cóccix
(segmento móvel) ou a cóccigectomia total. Essa modalidade de tratamento tem
sido, na maioria das vezes, indicada para pacientes com instabilidade
pronunciada do cóccix (subluxação ou hipermotilidade) ou quando a estrutura
apresenta deformidades ósseas com formação de espículas. Nessas condições, o resultado
satisfatório beneficia até 90% dos doentes61 incluindo os que são vítimas lesões
traumáticas do cóccix, situações em que os resultados são considerados bons ou
excelentes em 88% dos casos62.
b. Dor perianal idiopática
No item que engloba esse subtítulo nós não incluímos a síndrome do
períneo descendente por não conseguir estabelecer nexo entre essa disfunção do
assoalho pélvico e as dores pélvicas e perianais. No entanto, há, registrado na
literatura, a concomitância de dor anal idiopática e síndrome do períneo
descendente, em até 60% dos casos63.
Dor perianal idiopática, como as outras já discutidas, faz parte
de um conjunto de doenças proctológicas muito estudadas, mal conhecidas e mal
tratadas. Tem como um de seus aspectos básicos o fato de não estar relacionada
com qualquer entidade mórbida conhecida. Assim, não é possível a demonstração
objetiva de anormalidades locais15 e
a distinção entre outras síndromes que causam dor perineal se faz pela
descrição da dor e pelo exame proctológico, sobretudo pelo toque e palpação dos
músculos dos esfíncteres. A dor se localiza no ânus e, por transmissão,
atinge o canal anal e a transição anorretal. Varia de intensidade, mas está
persistentemente presente e pode melhorar quando o paciente senta, evacua ou
quando deita15,64. Trata-se de condição patológica para qual não
há tratamento específico; não é grave, mas é extremamente incômoda e não é
fácil de ser curada, embora haja
demonstrações de efetividade nas técnicas de condicionamento operante e
retroalimentação positiva (biofeedback) empregadas no tratamento de
pacientes com dor anal crônica idiopática em que as disfunções observadas são
as altas pressões intraluminal do ânus e os espasmos persistentes do esfíncter
anal externo65.
Afora toda complexidade do problema, a etiologia multivariada e
indefinida e a confusa terapêutica, os mais importantes aspectos na aproximação
médica dos pacientes com dores pélvicas são evitar o erro diagnóstico,
consequentemente o tratamento equivocado, e aliviar a ansiedade e a perplexidade
dos pacientes esclarecendo que os sintomas, reconhecidos, não são expressão de
doença grave e nem precursores do câncer30.
Tratamento da dor pélvica
crônica - aspectos gerais
a. Analgesia
b. Bloqueios neurais
c. Estimulação elétrica transcutânea
d. Neuromodulação sacral
e. Psicoterapia e condicionamento operante (biofeedback)
b. Bloqueios neurais
c. Estimulação elétrica transcutânea
d. Neuromodulação sacral
e. Psicoterapia e condicionamento operante (biofeedback)
a. ANALGESIA
A grande disponibilidade comercial de
analgésicos poderia ser um fator facilitador para o terapeuta, contudo, para as
dores pélvicas crônicas, não se encontra na literatura médica a definição do
papel e dos efeitos das medicações antálgicas mais conhecidas14. Há
poucos dados sobre o uso dos anti-inflamatórios não esteroidais e muito menos
sobre os as drogas COX2 seletivas.
Os anti-inflamatórios não esteroidais
inespecíficos e de baixa potencia deve ser escolhidos quando a dor pélvica tem
um componente inflamatório. Os mais potentes ficam para uso alternativo nas
situações em que os anteriores não produziram o efeito desejado. Os COX2
seletivos são preferidos, como opção para pacientes com maior risco de
complicações gástricas ou que estão usando outras medicações que podem induzir
a sangramentos gastrintestinais ou em pacientes com historia pregressa de
hemorragia digestiva.
As contras indicações referentes à
terapia com anti-inflamatórios são bem conhecidas e devem ser consideradas na
vigência da necessidade de seus usos. Medicações mais potentes só vão ter lugar
nas dores pélvicas, em geral, quando elas são decorrentes de doenças facilmente
identificáveis – neoplásicas, infecciosas ou inflamatórias – para as quais a
melhor solução, na realidade, seria obtida pela a ação direta sobre o fator
patológico responsável pela dor. Essas drogas (opioides – morfina e sucedâneos)
formam bom par com os antiinflamatórios pelo sinergismo que há entre eles.66
As dores pélvicas de etiologia neural podem ser aliviadas com os
antidepressivos tricíclicos ou com os anticonvulsivantes, principalmente quando
há trauma neural e maior sensitividade central na percepção da dor. Entre estes,
a gabapentina – um potente anticonvulsivante - tem sido escolhida com
resultados melhores do que os obtidos com o antidepressivos67. Outro
meio de atuar nas dores decorrentes de lesões neurais é bloquear um importante
canal para o desenvolvimento e manutenção da dor crônica, a nível central, que
são os receptores para o N-metil-D-aspartano (NMDA). O antagônico do NMDA
nesses receptores é a ketamina e ela pode ser útil no alívio da sensitividade
central das dores decorrentes de lesão nervosa periférica68. Os
bloqueadores de canal de sódio podem alterar o número, o tipo e a distribuição
dessa estrutura e modular a sensitividade térmica, química e mecânica69.
Assim, a infusão plasmática de baixas doses de um bloqueador de canal de sódio70 (lidocaína, por exemplo) pode ser
usada para diminuir a sensitividade central da dor neuropática. Uma única
infusão promove efeito por tempo prolongado. O análogo para uso por via oral é
o antiarrítmico mexiletine71.
b. Bloqueio
neural
O bloqueio neural tem caráter mais
investigatório do que terapêutico, visando a diferenciação etiológica da dor14.
Assim, evita-se o uso de neurolíticos que seriam dispensados nas circunstâncias
em que a dor tem origem em doença incurável, como nos casos de câncer avançado.
c. Estimulação
elétrica transcutânea
As fibras aferentes mielinizadas são
as estruturas alvos da estimulação elétrica cutânea e age por ativar circuitos
inibitórios segmentares. Tem aplicação, com resultados satisfatórios nas
síndromes vesicais, vaginais e uretrais72,73.
d.
Neuromodulação sacral
A estimulação elétrica de raízes
sacrais altera os reflexos neurais na pelve por modulação da condução nervosa
regional com resultados positivos sobre pacientes com incontinência motora
refratária, entre outros distúrbios funcionais e agem também aliviando a dor
pélvica crônica, a dor neuropática, as outras síndromes dolorosas regionais
complexas, a síndrome vesical, a síndrome da disfunção do assoalho pélvico e a
dor pélvica idiopática74-76.
e.
Psicoterapia e condicionamento operante (biofeedback)
Em determinadas circunstâncias, a dor
pélvica é vista como um prolongamento de distúrbios psiquiátricos e é
considerada a materialização somática da doença psíquica. Tanto a somatização
como as expressões somatiformes (síndrome de Briquet) associadas às alterações
desordenadas das funções psíquicas podem provocar desconfortos pélvicos, mas
com sintomas que não permitem o médico responsabilizar uma condição clínica
geral, nem o efeito de uma substância e nem mesmo a desordem psíquica revelada,
apesar de causarem invalidez e mal-estar físico, clinicamente significativo.
A somatização é uma forma de evitar
as estratégias de confrontação e solução de problemas psíquicos complexos. As
crianças que sofrem abuso físico e sexual desenvolvem fortes traços de somatização
que, com frequência, pode incluir a dor pélvica crônica77. Por outro
lado, os estados depressivos com seus sintomas neurovegetativos e alterações
funcionais emotivas, psicológicas e sociais, podem, tanto no homem como na
mulher, piorar ou prolongar a dor pélvica crônica78.
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